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“Simplificação fiscal”, um convite à informalidade

Na primeira década deste século, quando a tecnologia da informação ajudou a acelerar o desenvolvimento e a implantação de projetos como o Simples Nacional,

Autor: José Maria Chapina AlcazarFonte: O Autor

Na primeira década deste século, quando a tecnologia da informação ajudou a acelerar o desenvolvimento e a implantação de projetos como o Simples Nacional, havia a nítida impressão de que as relações entre contribuintes e autoridades tributárias nacionais, estaduais e municipais finalmente chegariam a outro patamar.

E chegaram, mas não como a maioria gostaria. Embora o Brasil praticamente tenha passado da “idade do papel” para a “era digital”, a ideia de simplificação fiscal continua a ser vendida aos empreendedores como algo revolucionário. Entretanto, a experiência cotidiana mostra exatamente o contrário.

A propagandeada “simplificação”, em verdade, é um grande engodo de governos que, ano após ano, vendem o sonho e a invenção de um país moderno e rico em oportunidades para quem deseja abrir um negócio e gerar emprego.

Se por um lado tecnocratas instalados em salas com ar-condicionado unificam obrigações acessórias e criam sistemáticas e projetos para desburocratizar as ações do Estado, por outro acabam aumentando cada vez mais o volume de informações exigidas dos contribuintes – muitas delas redundantes e já disponíveis nos próprios bancos de dados governamentais.

Mais grave ainda: gradualmente, os governos continuam transferindo para os contribuintes o trabalho de controlar, abastecer e revisar as informações enviadas aos bancos de dados do Estado. Ora, por que fazer o empreendedor perder tempo realimentando de informações um sistema totalmente compartilhado?

Na esteira da pretensa simplificação, vemos que a maioria das obrigações acessórias foi criada aos pedaços e com prazos de entrega exíguos, tornando-se altamente complexas. O empresário está assumindo essa carga de execução e ainda respondendo por multas pesadíssimas por qualquer falha de informação. E olhe que é praticamente impossível não errar em um ambiente tributário com tamanha complexidade.

Tudo começou com a Nota Fiscal eletrônica (NF-e); depois surgiu o Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), com a promessa de eliminar e unificar obrigações acessórias; em seguida inventaram o Siscoserv, que é uma obrigação da área de comércio exterior. Mais adiante, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) também passou a fazer exigências de modo eletrônico.

O Simples Nacional é outra barbárie contra o empreendedor. Até que me provem o contrário, continuo afirmando que esta sistemática, apesar do nome, nada tem de simplificada. Prova disso está na importância assumida pela área de TI no dia a dia da empresa, independentemente do seu porte, ficando o contribuinte refém de uma máquina estatal pesada e exigente.

Todo esse sofrimento aumentou, recentemente, com a chegada do eSocial, e sua complexidade maluca, em que o governo exige a alimentação da sistemática e a validação de dados da Pessoa Física que já possui em outras plataformas, como a Justiça Eleitoral, por exemplo. Logo mais, em julho, termina a sua primeira fase – o cadastramento de empregador e tabelas.

E não para por aí. Desde 20 de junho as pessoas jurídicas que no ano-calendário de 2016 tiveram faturamento superior a R$ 78 milhões passaram a entregar a Escrituração Fiscal Digital de Retenções e Outras Informações Fiscais (EFD-Reinf). Em 20 de dezembro será a vez das demais PJs, incluindo as enquadradas no Simples Nacional, cumprirem essa obrigação complementar do eSocial.

Antes disso, virá pela frente a exigência do Bloco K das indústrias, diretamente relacionado ao estoque e controle de produção. Ele fornecerá informações, em tempo real, sobre manufatura, insumos e estoque final já escriturado (com descontos de entradas e saídas). Por que mandar essas informações para o governo se a empresa não está sob fiscalização? Trata-se de uma ameaça, verdadeira intervenção branca nos dados sigilosos do contribuinte.

A “era digital”, que prometia dar mais agilidade e diminuir o tempo gasto com o preenchimento das obrigações fiscais, está tendo o efeito contrário. As empresas têm investido recursos em softwares, treinamentos e em exércitos de profissionais que nada têm a ver com a atividade-fim do negócio, contratados somente para atender a essas demandas.

Cada nova obrigação que aparece eleva o custo e a quantidade de horas gastas para atender todo o conjunto que já existe. Se antes eram 2.300 para se cuidar da burocracia oficial, hoje certamente esse volume de tempo é bem maior. O Brasil precisa urgentemente de uma reforma do ICMS, mas não há como isso ocorrer, pois os secretários de Fazenda dos estados não querem abrir mão de arrecadação e da mordomia política que toda essa verba traz. Ou seja, a guerra fiscal entre estados não termina por causa de interesses regionais.

Então, como incentivar o empreendedorismo nacional, se as exigências continuam as mesmas, porém muito mais complexas? O governo não quer trabalho. Ele não quer se interligar com as bases dos entes federativos e muito menos com os municípios.

Diante de todas essas dificuldades, ficam no ar algumas perguntas: compensa ser formal no Brasil? A morte das pequenas empresas ocorre por incapacidade do empreendedor, ou por que ele chegou à conclusão de que quando era informal ganhava muito mais dinheiro, e não tinha tanta burocracia para realizar seu trabalho? Creio que todo empresário tenha respostas assim na ponta da língua, pois, de uma forma ou de outra, sempre acaba pagando a conta.

Mas convenhamos, nem precisa ser empreendedor para sair perdendo com a visão míope das sucessivas gestões públicas que nos trouxeram até aqui. Afinal, os empregos que tanto fazem falta no Brasil hoje estão sendo gerados não mais na Índia ou na China, mas até mesmo nos vizinhos sul-americanos, frente a melhores condições para investir sem juros altíssimos, com menos burocracia e uma carga tributária infinitamente menor.

(*) José Maria Chapina Alcazar é vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo, onde coordena o Conselho do Setor de Serviços, e também é o presidente da Seteco Consultoria Contábil